sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um estigma e uma catarse

Quando digo que a minha área de formação é gestão e marketing e acrescento, com pudor que agora tenho finalmente disponibilidade para me dedicar à paixão de uma vida inteira, a culinária, o que na verdade estou a dizer é que estou desempregada.

Foi assim aos 48 anos quando os novos donos da empresa onde trabalhei 18 anos, em apenas um ano a descapitalizaram utilizando-a para negócios desastrosos, engenharias financeiras e desviando todos os bens móveis e imóveis ficaram a dever a fornecedores, ao estado e a todos os empregados.
Alegando insolvência não acataram a condenação do Tribunal de Trabalho para pagar os créditos salariais e as indemnizações a todos os trabalhadores e ninguém recebeu nem um cêntimo.
Não sei nem quero saber dessa gente que voltou para o norte. 
Não sei se se safaram ou se caíram em desgraça. Ainda assim sinto uma revolta natural com a impunidade de quem age com má fé e incompetência e sei que nunca hão-de ser empresários bem sucedidos porque não tem inteligência nem integridade para tal.

Como tanta gente, tive de me adaptar a viver com menos, muito menos, no entanto até me considero sortuda porque apesar de a minha vida ter levado uma volta, tenho o apoio e a ajuda da família e boas amizades.
Felizmente as minhas queridas filhas já não dependem de mim e têm trabalho e boas perspectivas profissionais. Nada é garantido mas não vale a pena ter medo do futuro, é o que lhes digo incentivando-as a viverem intensamente.
Mesmo tentando manter uma atitude positiva o tempo passa e parece-me que tenho cada vez menos hipóteses, Sinto-me cada vez mais desenquadrada do sistema.
Quanto a emprego, não tenho ilusões, sou demasiado velha para o mercado de trabalho e  demasiado nova para a reforma. Permaneço no limbo enviando curriculuns sem obter uma resposta, uma entrevista.

No ano passado, tentando transformar a minha situação numa oportunidade decidi fazer um curso de cozinha e optei pelo curso intensivo de Pastelaria na ACPP.
Porque gostando de cozinhar, de explorar sabores com intuição e capacidade de improviso, considerei que me faltava técnica para dominar a alquimia dos doces.
O curso foi muito interessante mas ficou aquém das minhas expectativas, talvez por serem demasiado elevadas...
Ainda sonhei com cursos em prestigiadas escolas de cozinha em Paris ou Barcelona mas tive de me render à evidência de que não estavam ao meu alcance.
Tentei complementar a formação com vários estágios em locais com características diferentes mas acabei por só fazer um onde durante dois meses experienciei uma verdadeira cozinha profissional, observei a organização do espaço e dos processos, o trabalho das brigadas, a importância da equipa por trás do serviço de restauração e catering. É um trabalho árduo, pesado que se sustenta na força da juventude
Se alguma vez pensei que numa cozinha seria mais importante os conhecimentos e a experiência do que a idade enganei-me, é um meio sexista e muito competitivo.

Apesar do número de desempregados ter disparado devido à crise económica/financeira e das políticas implementadas nestes últimos anos, não obstante ser fácil sentirmo-nos vítimas do sistema há várias formas de enfrentar a situação e nenhuma é branda. 
Para mim é um embaraço, é quase uma vergonha perder o estatuto que com deveres nos dá direitos. Um estigma.
Pior do que a tristeza de perder o prestígio da utilidade é não encontrar uma solução.
O tempo passa e o acordar de manhã é demasiadas vezes vazio de objectivos.
Sobra tempo para pensar. Pensar demasiado faz-nos reféns da mente e não se pode menosprezar o poder da mente.
Não sou pessoa de me queixar e defendo-me com uma imagem de positivismo, de pragmatismo muito séptico que talvez não atraia simpatias, que certamente não inspira complacência.
Nem sempre é fácil ser forte e não mostrar as fragilidades.
Só eu conheço os meus demónios.



Atormenta-me olhar o futuro sem perspectivas.
Este projecto de "O doce nunca amargou" não levanta voo também porque não consigo estabelecer um rumo.
Por razões alheias à minha vontade mas cuja responsabilidade consciente é minha, ainda não solidificou as bases, não ganhou estrutura de negócio sustentável.
Alterno entre dias de entusiasmo e de desalento.
Alguma coisa estou a fazer mal e não são os doces que esses são deliciosos.
Além da minha pouca fé na conjuntura, sei demasiado bem como funciona o empreendedorismo neste país e o horror de dificuldades e exigências que sugam uma empresa.
Na verdade admiro quem se aventure nesta ditadura fiscal. Mas vejo, desanimada, quantos caiem e quantos de levantam.
Quando as dúvidas me invadem fantasio com alguém que acredite, que me apoie que me complemente e me ajude a levar avante esta ideia.
Há por aí alguém que se queira associar?

Num sonho muito antigo vejo-me numa quinta com uma bela horta, árvores de fruto e alguns animais de criação. 
Um espaço acolhedor onde recebo os viandantes com a hospitalidade de um povo.
Rústico e despretensioso onde quem chega se sente em casa mas com os benefícios de um hotel de charme em harmonia com a natureza envolvente.
Vejo-me cozinhando com paixão os alimentos frescos e locais, criando refeições sedutoras e equilibradas com um mimo doce para finalizar.
Há por aí algum sítio assim que me queira como anfitriã?

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