terça-feira, 19 de maio de 2015

Competições parvas e gargalhadas cúmplices

Eu e a minha irmã temos menos de 2 anos de diferença e, como é natural na infância, tínhamos muitos despiques _ Primeiras! _ Este lugar é meu! _ Eu escolhi primeiro!
Nas nossas brincadeiras e fantasias de crianças entendiamo-nos muito bem mas de resto competíamos por tudo e mais alguma coisa, o pão mais mal cozido, os croquetes mais douradinhos ou a torrada mais apetitosa...
Geralmente acabava em simples brigas de irmãs que não duravam nada mas às vezes eramos exasperantes e punham-nos de castigo com ralhetes e alguma palmada assertiva.
Certo dia ao almoço, quando veio para a mesa uma travessa cheia de linguados fritos começámos a disputar um linguado que por acaso tinha ficado com a parte mais clara virada para cima. Apesar de sabermos perfeitamente que todos os linguados tem um lado de pele escura e outro de pele branca, deu-nos para aquela parvoíce.
Enquanto comíamos a sopa apontávamos e afirmávamos _Este é para mim! e logo a outra metia o dedo e ripostava _ Não, não, este é para mim! Ao fim de várias vezes e já sob aviso impaciente dos nossos pais, ela pôs o dedo no cobiçado linguado e eu afastei a sua mão com um gesto mais brusco e para nosso espanto, vários linguados voaram para fora da travessa.
O ambiente ficou tenso. 
O sermão fez-se ouvir e baixando os olhos continuámos a comer a sopa e a tentar controlar a vontade de rir de tal forma exorbitante que quando os nossos olhares se cruzaram não nos conseguimos conter e soltámos o riso e a sopa que saiu projectada borrifando tudo à nossa volta. 
Foi o descalabro. 
Dominadas pelas gargalhadas nervosas nem vimos chegar o par de bofetadas e torcendo-nos com a risota incontrolável fomos expulsas da mesa e corremos para o nosso quarto a rir até não poder mais.
Graças à intervenção da avó A, depois de eles acabarem de comer, lá tivemos autorização de ir almoçar. E os linguados estavam todos deliciosos, claros e escuros.
Durante dias rimos desta cena hilariante e ainda hoje, quando a partilhamos, é motivo de risota porque a conseguimos reviver emocionalmente.



segunda-feira, 11 de maio de 2015

Horta e árvores de fruto - marmelada, geleias e doces

Há alguns anos os meus tios foram viver para uma aldeia na beira da serra, onde o tio Z empresário inveterado trabalha, apesar dos seus 87 anos.
Com terrenos disponíveis para explorar criaram um pequeno pomar com várias árvores de frutos. Os meus preferidos são as cerejas, os figos e os alperces.
Ainda pensaram plantar um olival mas o preço da mão de obra na apanha das azeitonas não compensava numa pequena produção artesanal e desmotivou-os. Têm apenas duas oliveiras e apanham as azeitonas para petiscar bem temperadas.



Também já criaram porcos mas juraram para nunca mais. Deu muito trabalho, despesa e sujeira.
Agora só têm galinhas e patos.



Os patos vivem felizes num lago enorme, as galinhas estão numa boa capoeira.
As galinhas dão ovos e de vez em quando lá vai uma parar à panela. Os patos também e a minha tia G faz o melhor arroz de pato na opinião de toda a família.
Nesta altura do ano é quando elas põem mais ovos, tantos que para os aproveitar andamos a fazer bolos de empreitada para congelar. Fiquem sabendo que há muitos bolos que não perdem nada, antes pelo contrário, ao serem congelados. 
Em redor da casa há rosas, hortênsias, muitas flores e ainda uma horta onde tudo tem um sabor incomparável aos produtos comprados. Até custa a acreditar como a salsa, a hortelã e os coentros, por exemplo, têm uma fantástica intensidade de cheiro e sabor quando são colhidos, já para não falar nos grelos, couves, tomates, enfim tudo o que a terra dá. Só quem tem a sorte de ter acesso directo a estes produtos sabe a real diferença.



Também têm marmeleiros, um fruto que fresco não é muito apreciado portanto é práticamente todo convertido em geleia de marmelo e marmelada.
Aliás, sazonalmente é preciso converter grande parte da fruta em doces e compotas, secar figos e pendurar cachos de uvas para fazer passas.



A tia G também costuma fazer doce de tomate, que eu adoro. Ainda me lembro de umas gravações de som em bobines de fita que o meu pai fez na minha infância e ouvir enternecida a minha vozinha dizer _ Maía do Xéu, qué doxinho encanado. _ quando tinha 2 anos eu falava axim...
No inverno, quando apanhamos laranjas com casca mais grossa aproveitamos para a cristalizar em tirinhas que depois se guardam no congelador para não secarem. Servem para o bolo inglês, bolo rei e também para devorar distraidamente...
Tenho de lhes pedir para voltarem a semear abóbora gila para fazermos doce muito melhor do que há por aí à venda. É difícil encontrar algum que não seja demasiado líquido e com os fios característicos da gila e isso reflecte-se na qualidade dos doces e bolos conventuais que se preparam com este doce.
Há imensos pinheiros bravos porém só havia um pinheiro manso perto da casa mas no ano passado teve de ser cortado porque estava tão grande, tão grande que as suas raízes já ameaçavam causar sérios danos nas construções. Acabou-se assim a árdua tarefa de colher e extrair o miolo dos pinhões.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Memórias culinárias da infância - fricassé e tortas

Para mim, o prato emblemático da minha tia G, irmã da minha mãe, é, desde que eu era criança até aos dias de hoje, o frango de fricassé.
Mas seria redutor não referir os imensos predicados culinários da tia G. 
Só depois de casar é que pôde dedicar-se a cozinhar porque em casa da mãe, a minha avó A, não tinha hipótese de experimentar receitas.
Dona de casa prendada, logo procurou aprender com a experiência da sogra e sobretudo das cunhadas. 
A tia L, irmã do meu pai e mais tarde minha madrinha, ofereceu-lhe em 1959 a 22ª.edição de O Livro de Pantagruel , uma colectânea inédita na época de receitas tradicionais de todo mundo e uma preciosa ajuda para as cozinheiras amadoras. Creio que naquele tempo talvez se possa comparar a importância deste livro cá em Portugal, com a "bíblia" da gastronomia americana, Mastering the Art of French Cooking, compilado pela famosa Julia Child.
Mais tarde coleccionava as Teleculinárias do Chef Silva e foi assim que ao longo do tempo foi aprimorando e diversificando os pratos que servia à família.



É importante esclarecer que a tia G e a minha mãe têm uma diferença de 9 anos e quando casou aproximou as duas famílias mas ninguém previu que 10 anos mais tarde a minha mãe acabaria por casar com o irmão mais novo do tio Z. 
Este facto de duas irmãs terem casado com dois irmãos proporcionou que se formasse um núcleo familiar muito forte. Por exemplo, no Natal sempre me lembro das festas na casa da minha avó paterna onde todos se reuniam e nunca senti aquela pressão muito comum de ter me dividir entre duas famílias, a do pai e a da mãe.
Também passávamos férias juntos, as inolvidáveis férias na Ericeira e mais tarde no Algarve.
Quando era criança passava imenso tempo com ela na sua casa, em passeios ou nas pequenas mas regulares visitas aos negócios do tio Z na beira da serra.
Muito dedicada e atenciosa, cozinha para agradar aos seus e exemplo disso é a Torta do P que criou para agradar ao neto, inspirada nos Guardanapos, único bolo que ele comia nas pastelarias.