quinta-feira, 19 de maio de 2016

pecado da gula

Às vezes parece que nasci com uma fome ancestral.

Fui educada a comer tudo o que me era posto no prato. 
Em casa dos meus pais não havia desperdício de comida.
Ainda eram muito crianças, principalmente a minha mãe que nasceu em 1939, no entanto ambos guardavam algumas memórias do tempo da II Guerra Mundial. 
Nunca passaram fome mas havia a ameaça e o medo de Portugal perder o estatuto de neutralidade.
Salazar disse - "Livro-vos da guerra mas não da fome" e as restrições de alimentos com distribuição de senhas de racionamento a partir de 1943, efeitos da inflacção e da escassez de produtos alimentares, afectaram a grande maioria da população que vivia numa situação de precariedade.  
Na minha família era uma questão de educação já transmitida dos antepassados reforçada pela vivência da época e dos tempos difíceis que se prolongariam nos anos vindouros.

Muito depois, em casa, a minha mãe sempre se preocupou em dar-nos uma alimentação saudável com produtos frescos. 
Não havia o hábito de comer doces e bolos senão em ocasiões especiais e festas.
Eu própria não era apreciadora de bolos ou chocolates.
No entanto era gulosa por comida, devorava aquilo de que gostava, comia demasiada quantidade, às vezes até ficar enfartada.
Até à adolescência era magra, tinha bastante actividade física e cresci em altura mais do que a média das raparigas da época. Depois dos 15 anos, com as formas a arredondarem-se naturalmente, não me sentia segura mas as fotografias abonam em favor da minha elegância.



Quando decidi ter filhos deixei de tomar a pílula contraceptiva e simultaneamente deixei de fumar. Tive duas gravidezes muito seguidas, as minhas filhas têm apenas 19 meses de diferença, o meu corpo nunca mais foi o mesmo e engordei mais do que gostaria.

Na altura da separação e divórcio até emagreci bastante pelo stress e por ter voltado a fumar. Mau hábito que deixei definitivamente em 1998 sem me preocupar até que ponto isso influenciava o meu peso.
Desde então a minha vida deu muitas voltas e começou a fase iô-iô do engorda e emagrece.
Tornei-me apreciadora de comida, bebida e até gulosa por doces. 
O que aliado a uma vida mais sedentária provocou inexoravelmente acumulação de tecido adiposo.
Confesso que por vezes o prazer de comer era uma compensação.
Outras vezes criava em mim um conflito interno de "amor" "ódio" que não conseguia controlar e comia compulsivamente para depois me sentir horrível e culpada.

Ficar desempregada aos 48 anos também não ajudou e depois de fazer o curso de pastelaria e dedicar-me mais à doçaria foi o descalabro. Num ano e meio atingi um peso que nem quando estava grávida de nove meses vislumbrei alcançar.
É evidente que não posso culpar a comida nem os doces, apesar de saber que o açúcar é viciante.

Eu, pecadora me confesso, a tentação é grande e quando a alma está fragilizada sucumbo ao pecado da gula.

Quando finalmente me confrontei com o mal que a obesidade me estava a fazer, como começava a afectar a minha saúde, quão deprimida estava a ficar e me consciencializei que estava a entrar numa espiral destrutiva e num ciclo vicioso que só alimentava a minha desgraça, arranjei as forças, a coragem e a ajuda necessárias para reverter a situação.
Desde meados de Janeiro e durante estes quatro meses mudei a minha alimentação e a minha forma de comer, acabei com os hábitos viciosos e com os excessos.
Já consegui reduzir a massa corporal e peso agora menos 12 quilos.
Estou determinada a continuar até atingir o meu peso ideal razoável ou seja, perder mais 8 quilos.
E mais importante e difícil, manter-me nesse equilíbrio.



Tal como o doce nunca amargou, os doces e sobremesas feitos por mim continuam a ser deliciosos e comidos com moderação não fazem mal a ninguém.
Eu é que para além do que me encomendam ou faço para oferecer, tenho-me abstido de fazer experiências e provas tentadoras por isso esta página e o blog parecem abandonados nestes últimos tempos.
Além disso, para reforçar as minhas defesas contra as doces tentações mas não só, tenho-me dedicado a outras actividades muito estimulantes e prazenteiras.
Agora só falta que o bom tempo estabilize para regular as minhas caminhadas e exercícios ao ar livre, o que ajuda a atingir os objectivos de emagrecimento e também faz imensamente bem à alma.



domingo, 1 de maio de 2016

Poema e Bolo

Há muitos, muitos anos, ainda em fase de revolta rebelde intergeracional, transcrevi e ofereci este poema à minha mãe.
Para lá da intencionalidade da mensagem que na altura quis transmitir, é um belo poema.

Poema à Mãe                     Eugénio de Andrade
                                                                 em "Os amantes sem dinheiro"

No mais fundo de ti
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras 
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o coração,
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? - às vezes
ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
            Era uma vez uma princesa
            no meio de um laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Mãe é mãe todos os dias, não há folgas, nem domingos ou feriados. Não há dia de mãe.
Ser mãe é muito mais que uma ocupação a tempo inteiro.
Mesmo depois dos filhos irem às suas vidas e já não dependerem da mãe, ela não o deixa de ser, de ser mãe.
Mãe é cais, é porto seguro, onde os filhos podem sempre regressar porque para ela nunca chegaram a partir completamente.
Mãe é um laço que não se desata, é um bem querer que não termina jamais.
Mãe é amor.


Bolo de limão com framboesas e mirtilos