quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O meu pai e o bolo Lucília

O meu pai era muito guloso, mesmo muito, mas é de família.
Até descobrir que tinha diabetes ia, pelo menos duas vezes por dia, à pastelaria Evian beber café e comer um Jesuíta.
Gostava de todos os bolos e doces mas tinha alguns preferidos e o Bolo Lucília era um deles. 
Não é o género de bolo que a minha mãe fizesse, o Bolo Lucília é uma receita da avó Q e das tias desse ramo da família. É um bolo elaborado e rico com vários elementos - uma massa com nozes e amêndoas, um recheio de chocolate entre as duas camadas e uma cobertura de merengue e raspas de chocolate.
É um daqueles bolos com muito boa apresentação e realmente delicioso.



Não restam dúvidas de que o meu pai era um homem de bom gosto com uma grande sensibilidade para a arte e para o belo.
Gostava de teatro, de cinema mas sobretudo de música jazz e blues, clássica erudita e ópera. Lia imenso. Adorava fotografia, chegou a ter uma câmara escura com um pequeno laboratório de revelação e ampliação e várias máquinas fotográficas tipo profissionais. 
Uma atracção e curiosidade enorme pelas novas tecnologias fazia com que comprasse por impulso as últimas utilidades lançadas no mercado e tinha um dom para escolher os mais perfeitos e originais presentes para oferecer a cada pessoa.
Era um sonhador e um idealista.
Por vezes tinha um feitio explosivo de menino mimado e uma teimosia exasperante de quem não gosta de ser posto em causa.



Faleceu mais cedo do que o previsto numa família de grande longevidade, com uma doença degenerativa do foro neurológico menos de um ano após lha terem diagnosticado.

Faz precisamente hoje 4 anos que morreu. 
Deixou um vazio nas nossas vidas, respostas a perguntas que nunca lhe fiz mas que se revelaram na sua ausência, e a saudade de um afecto desajeitado e de um amor intrincado embora incondicional.

Não sendo uma pessoa ambiciosa almejava um futuro grandioso para as suas filhas e acarinhava muitas esperanças com as netas e o neto.
Sou uma pessoa positiva motivada em honrá-lo cumprindo este meu sonho de ser feliz a fazer aquilo que gosto e que também passa por fazer os outros felizes adoçando-lhes a vida.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Tartes e Tarteletes

A minha predileção por doces em forma de tarte é flagrante.

Adoro a base de uma boa tarte, uma massa amanteigada, ligeiramente doce intensificado por uma pitada de sal, crocante que se desfaz na boca. 
Eu prefiro as massas areadas.
A base não é só o recipiente para o recheio.
É o contraste que o realça. 

O mais maravilhoso é a variedade de recheios que se podem fazer.

Cremes frescos e queijos creme combinados com fruta em polpa, em puré ou em doce.

Cremes alimonados perfeitos para tartes merengadas.

Calculo que qualquer doce de colher pode ser utilizado como recheio de uma tartelete. 
Refiro-me também à doçaria tradicional portuguesa tal como doce de ovos simples ou com frutos secos como amêndoas ou nozes. Doces de grão ou feijão como os utilizados em pastéis e azevias, doce de gila com ovos moles... 
Enfim, uma imensa diversidade de opções a explorar.

Uma das mais tradicionais e apreciadas é a tarte de maçã que faço sempre com maçã reineta cuja saborosa acidez contrasta com a massa doce.


Um destes dias resolvi adaptar a minha receita de bolo de requeijão e fazer uma requeijada em base de tarte. Ficou deliciosa.



Na primavera fiz uma série de tarteletes com recheio de creme de limão enriquecido com puré de várias frutas. Ficaram lindas e foram muito apreciadas.


No início do outono também fiz experiências com pêras.
Primeiro com um creme de amêndoa e depois com uma ganache de chocolate.

    


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um estigma e uma catarse

Quando digo que a minha área de formação é gestão e marketing e acrescento, com pudor que agora tenho finalmente disponibilidade para me dedicar à paixão de uma vida inteira, a culinária, o que na verdade estou a dizer é que estou desempregada.

Foi assim aos 48 anos quando os novos donos da empresa onde trabalhei 18 anos, em apenas um ano a descapitalizaram utilizando-a para negócios desastrosos, engenharias financeiras e desviando todos os bens móveis e imóveis ficaram a dever a fornecedores, ao estado e a todos os empregados.
Alegando insolvência não acataram a condenação do Tribunal de Trabalho para pagar os créditos salariais e as indemnizações a todos os trabalhadores e ninguém recebeu nem um cêntimo.
Não sei nem quero saber dessa gente que voltou para o norte. 
Não sei se se safaram ou se caíram em desgraça. Ainda assim sinto uma revolta natural com a impunidade de quem age com má fé e incompetência e sei que nunca hão-de ser empresários bem sucedidos porque não tem inteligência nem integridade para tal.

Como tanta gente, tive de me adaptar a viver com menos, muito menos, no entanto até me considero sortuda porque apesar de a minha vida ter levado uma volta, tenho o apoio e a ajuda da família e boas amizades.
Felizmente as minhas queridas filhas já não dependem de mim e têm trabalho e boas perspectivas profissionais. Nada é garantido mas não vale a pena ter medo do futuro, é o que lhes digo incentivando-as a viverem intensamente.
Mesmo tentando manter uma atitude positiva o tempo passa e parece-me que tenho cada vez menos hipóteses, Sinto-me cada vez mais desenquadrada do sistema.
Quanto a emprego, não tenho ilusões, sou demasiado velha para o mercado de trabalho e  demasiado nova para a reforma. Permaneço no limbo enviando curriculuns sem obter uma resposta, uma entrevista.

No ano passado, tentando transformar a minha situação numa oportunidade decidi fazer um curso de cozinha e optei pelo curso intensivo de Pastelaria na ACPP.
Porque gostando de cozinhar, de explorar sabores com intuição e capacidade de improviso, considerei que me faltava técnica para dominar a alquimia dos doces.
O curso foi muito interessante mas ficou aquém das minhas expectativas, talvez por serem demasiado elevadas...
Ainda sonhei com cursos em prestigiadas escolas de cozinha em Paris ou Barcelona mas tive de me render à evidência de que não estavam ao meu alcance.
Tentei complementar a formação com vários estágios em locais com características diferentes mas acabei por só fazer um onde durante dois meses experienciei uma verdadeira cozinha profissional, observei a organização do espaço e dos processos, o trabalho das brigadas, a importância da equipa por trás do serviço de restauração e catering. É um trabalho árduo, pesado que se sustenta na força da juventude
Se alguma vez pensei que numa cozinha seria mais importante os conhecimentos e a experiência do que a idade enganei-me, é um meio sexista e muito competitivo.

Apesar do número de desempregados ter disparado devido à crise económica/financeira e das políticas implementadas nestes últimos anos, não obstante ser fácil sentirmo-nos vítimas do sistema há várias formas de enfrentar a situação e nenhuma é branda. 
Para mim é um embaraço, é quase uma vergonha perder o estatuto que com deveres nos dá direitos. Um estigma.
Pior do que a tristeza de perder o prestígio da utilidade é não encontrar uma solução.
O tempo passa e o acordar de manhã é demasiadas vezes vazio de objectivos.
Sobra tempo para pensar. Pensar demasiado faz-nos reféns da mente e não se pode menosprezar o poder da mente.
Não sou pessoa de me queixar e defendo-me com uma imagem de positivismo, de pragmatismo muito séptico que talvez não atraia simpatias, que certamente não inspira complacência.
Nem sempre é fácil ser forte e não mostrar as fragilidades.
Só eu conheço os meus demónios.



Atormenta-me olhar o futuro sem perspectivas.
Este projecto de "O doce nunca amargou" não levanta voo também porque não consigo estabelecer um rumo.
Por razões alheias à minha vontade mas cuja responsabilidade consciente é minha, ainda não solidificou as bases, não ganhou estrutura de negócio sustentável.
Alterno entre dias de entusiasmo e de desalento.
Alguma coisa estou a fazer mal e não são os doces que esses são deliciosos.
Além da minha pouca fé na conjuntura, sei demasiado bem como funciona o empreendedorismo neste país e o horror de dificuldades e exigências que sugam uma empresa.
Na verdade admiro quem se aventure nesta ditadura fiscal. Mas vejo, desanimada, quantos caiem e quantos de levantam.
Quando as dúvidas me invadem fantasio com alguém que acredite, que me apoie que me complemente e me ajude a levar avante esta ideia.
Há por aí alguém que se queira associar?

Num sonho muito antigo vejo-me numa quinta com uma bela horta, árvores de fruto e alguns animais de criação. 
Um espaço acolhedor onde recebo os viandantes com a hospitalidade de um povo.
Rústico e despretensioso onde quem chega se sente em casa mas com os benefícios de um hotel de charme em harmonia com a natureza envolvente.
Vejo-me cozinhando com paixão os alimentos frescos e locais, criando refeições sedutoras e equilibradas com um mimo doce para finalizar.
Há por aí algum sítio assim que me queira como anfitriã?

sábado, 31 de outubro de 2015

Sabores exóticos como viagens degustativas

Em termos de alimentação posso afirmar que a minha família é deveras conservadora. Claro que me refiro às gerações anteriores, não à actual juventude.
Não me lembro de alguma vez na minha infância comer algo que não fosse cozinha tradicional portuguesa.
Ponderar comidas mais exóticas estava fora de questão.
Naquela altura também quase não havia restaurantes étnicos ou de comida internacional em Lisboa.
Lembro-me da La Trattoria na Artilharia Um mas nunca lá fui com os meus pais, só já adulta e com outras companhias.
No entanto houve uma época em que o meu pai descobriu que gostava de comida chinesa, principalmente de umas gambas picantes, e todos os pretextos eram bons para irmos ao restaurante Hong Kong numa perpendicular à Duque de Loulé. Era um bom restaurante mas foi sofrendo transformações até desaparecer. 
A primeira vez que fui a um restaurante indiano, mais propriamente de comida goesa, foi com a minha amiga C e comi um maravilhoso caril de camarão.
Também foi com ela que experimentei comida mexicana num restaurante que já não existe, na D.Carlos I, e comida russa no Tapadinha na Calçada da Tapada.
Cada vez gosto mais de exaltar o paladar e adoro novos sabores e temperos, são autenticas viagens pelo mundo.

Inspirada pelo outono, pela estação das abóboras, fiz esta deliciosa sopa, um creme aveludado de sabor exótico.
Aprendi esta receita num daqueles programas de televisão no canal que só fala de cozinha a todas as horas.



Creme Exótico de Abóbora 

Ingredientes:
  • 1 abóbora manteiga
  • cebola
  • 1 dente de alho
  • 1 pedacinho de gengibre fresco
  • 400 ml de leite de côco
  • 100 ml a 200 ml de caldo de legumes
  • 1 colher (chá) de caril em pó
  • azeite qb
  • sal qb
  • pimenta qb
Preparação:

Cortar a abóbora ao meio longitudinalmente, retirar as sementes e os fios.
Temperar com sal, pimenta e um fio de azeite.
Levar ao forno pré-aquecido a 200º.C num recipiente com tampa durante cerca de 1 hora.
Retirar da casca a polpa da abóbora com a ajuda de uma colher e reservar,
Refogar em azeite a cebola e o alho picados grosseiramente e o gengibre bem picado em lume brando até a cebola ficar translúcida.
Juntar o pó de caril, mexer bem e adicionar a abóbora.
Juntar o leite de côco e um pouco de caldo de legumes ou água.
Deixar ferver alguns minutos.
Desligar o lume e triturar muito bem com a varinha mágica.

Notas:

A quantidade de caldo ou água adicionada depende da consistência pretendida.

Eu usei abóbora manteiga mas também pode ser feita com abóbora menina.

Aproveito sempre as sementes das abóboras. Lavo-as, espalho-as num tabuleiro envolvidas num fio de azeite e levo ao forno durante alguns minutos até tostarem ligeiramente

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Receita da Sopa de Courgette e Maçã

Graças a vários pedidos feitos pessoalmente vou partilhar a receita de sopa que preparei depois do meu passeio a Sintra.

Em casa dos meus pais sempre me lembro de a sopa ser feita num panelão enorme e era geralmente um creme de legumes com folhas verdes adicionadas no fim, espinafres, nabiças, agrião ou feijão verde. Também havia as canjas e caldo de carne que nunca apreciei muito. E as sopas de puré de grão e puré de feijão com massinhas que sempre adorei.
Quando as minhas bebés começaram a comer sopas fazia-lhes uns caldos de borrego com variação de legumes; caldos muito nutritivos que as ajudaram a crescer fortes saudáveis mas cujo cheiro me agoniava apesar de eu adorar borrego. 
Confesso que durante muitos anos não fui nada criativa na confecção de sopas, optando sempre pelas fáceis e preferidas das minhas filhas. Isto de alimentar uma família tem prioridades e nessa altura o trabalho não me deixava muitas horas livres e quando chegava a casa tinha que ser prática na cozinha para ter tempo para elas e para outros afazeres.

Sempre gostei de inventar e agora tenho tempo e não estou condicionada pelas esquisitices de ninguém. A maior parte das vezes cozinho só para mim, o que poderia ser um pouco triste mas não é porque o faço com prazer e porque me dá total liberdade para experiências que vou aperfeiçoando para partilhar assim que tenho oportunidade.




Sopa de Courgette e Maçã

Ingredientes:
  • 1 cebola média
  • 1 dente de alho
  • 1 pedacinho de gengibre fresco
  • 1 cenoura grande
  • 2 courgettes grandes
  • 2 maçãs grandes
  • azeite qb
  • sal qb
  • pimenta qb
Preparação:

Cobrir o fundo do tacho com azeite e juntar a cebola, o alho e o gengibre tudo cortado em pequenos pedaços e colocar em lume brando.
Quando a cebola ficar translúcida juntar a cenoura e as courgettes cortadas em pedacinhos.
Temperar com sal e pimenta.
Mexer e cobrir com água a ferver. 
Tapar o tacho e deixar cozer durante 10 minutos.
Adicionar as maçãs descascadas e cortadas em pequenos pedaços e deixar ferver mais 10 minutos.
Desligar o lume e triturar muito bem com a varinha mágica.

Notas:

Usei as courgettes com casca ficando o creme mais esverdeado e com pintinhas verde escuro.
Usei maçãs starking ainda verdes e com alguma acidez.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Iogurte caseiro

Actualmente são mais do que conhecidos os benefícios e propriedades do iogurte. 

Há milénios que é feito, possivelmente desde a pré-história quando se começou a utilizar o leite dos animais domesticados e o armazenavam ou transportavam de forma a sujeitá-lo a um aumento da temperatura que propiciava a fermentação bacteriana e produzia o ácido lácteo transformando o leite em iogurte.
Crê-se que teve origem no Médio Oriente e Balcãs, com o nome árabe de leben, russo de koumis ou de kefir no Cáucaso. 
É no entanto o nome de origem Turca yogurt (jugurt), o adoptado mundialmente no início do século XX quando começou a ser difundido graças a vários estudos que demonstravam o quanto o seu consumo beneficiava a saúde, como o estudo imuno-microbiológico efectuado pelo biólogo russo Ilya Ilyich Mechnikov (Carcóvia,1845 - Paris,1916) laureado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1908.
Hoje em dia é impressionante a panóplia de produtos lácteos e derivados que a industria alimentar produz.


Segundo as memórias da minha família foi no início dos anos 60 que em Portugal apareceram à venda os iogurtes Veneza, primeiro em potes de louça branca e depois, já em doses individuais, em copos de vidro gravado e com a forma de pequenas bilhas leiteiras .
Por volta de 1970 já a minha tia G produzia os seus iogurtes caseiros com a ajuda da panela de pressão. No fim da década de 70 aparecem no mercado as iogurteiras no rol dos pequenos electrodomésticos a ter na cozinha.
Já nos anos 80 surgiu a moda da flor do iogurte, Parecida com a couve flor embora de textura mole e gelatinosa, é uma espécie de cogumelo que produz o kefir, um tipo de iogurte mais liquido e com mais propriedades devido à sua dupla fermentação, ácido láctea realizada pelas bactérias probióticas e alcoólica realizada pelas leveduras benéficas que vivem em conjunto de uma forma simbiótica.

Há falta de grãos de kefir eu faço iogurte caseiro pela receita tradicional do iogurte grego.
É um processo muito simples, apenas demorado.



Primeiro aqueço 2 litros de leite do dia meio-gordo; pode-se utilizar leite gordo ou mesmo magro.
Verto o leite para uma taça de vidro com tampa e deixo arrefecer até aos 45º.C.
Então misturo muito bem 100g de iogurte que reservei da anterior produção; na primeira vez pode-se utilizar um iogurte natural de compra.
Depois fecho a taça hermeticamente, embrulho-a numa manta, e coloco dentro do forno desligado. 
Aguardo 8 horas sem abrir o forno; pode-se deixar fermentar até 10 horas mas quanto mais tempo maior a acidez do iogurte e torna-se desagradável ao paladar.
Numa tigela grande coloco um escorredor coberto com um pano de algodão onde verto o preparado. Tapo e coloco no frigorífico pelo menos por 6 horas. Deve-se mexer de vez em quando e verificar a consistência.
No fim obtenho cerca de 1 kilo de iogurte cremoso e quase 1 litro de soro de leite, Whey Protein, que também tem muitas aplicações e por isso também guardo num frasco no frigorífico.
Este iogurte caseiro, sem aditivos, saudável e muito saboroso aguenta uma semana no frigorífico.
Utilizo-o imenso nos pequenos-almoços e na confecção de alguns molhos e sobremesas.



sábado, 26 de setembro de 2015

Paris et la cuisine française


Porquê algo especial para comemorar meio século?
Tenho uma amiga que fez uma tatuagem bem colorida, várias amigas que organizaram festas de arromba. Daqui a uns dias vou a mais uma dessas festas grandiosas.
Eu sonhei partilhar uma viagem a Paris com as minhas filhotas queridas e tornar esse meu aniversário uma memória inesquecível.



Alugámos um T0 no 9º Arrondissement , perto de Montmartre, por quatro noites, e daí partíamos diariamente a pé para ver tudo.
Era Inverno mas tivemos sorte, não estava demasiado frio e quase não choveu.
Ao pequeno almoço não podiam faltar os croissants. Eu arranjava-me primeiro e ia comprá-los à boulengerie na esquina da Rue des Martyres
Só o cheirinho que emanava dos pães, croissants e patisserie diversa exposta nos balcões era uma inspiração matinal.






Apesar de ser época baixa nos sítios mais emblemáticos, Sacré-Coeur, Torre Eiffel, Notre-Dame, Museu do Louvre e Les Champs Élysées, os turistas proliferavam mas nas ruas em geral viam-se sobretudo residentes, pessoas nas suas rotinas normais de trabalho e escola dado que não era época de férias. 
A cidade pareceu-me bastante cosmopolita com muita gente sobretudo do Norte de África e Médio Oriente. 
Sem ser na Place Vendôme, onde se situam as grandes casas da alta costura, quase não vimos aqueles franceses típicos bem vestidos e elegantes.
A juventude é aparentemente igual à das cidades portuguesas e europeias, são um estéreotipo formatado pelas séries televisivas e pelas cadeias de lojas de marcas com baixo preço que proliferam iguais por todo o lado.
Não achei a cidade própriamente limpa e os jardins, por ser Fevereiro, não estavam no seu esplendor. As igrejas, principalmente as catedrais, chocaram-me pelo excessivo sentido comercial. Não é preciso pagar para entrar, como por exemplo na Sagrada Família em Barcelona, mas no seu interior existem demasiados dispositivos e máquinas que vendem velas, imagens de santos e medalhas alusivas, já para não falar no habitual balcão de souvenirs à saída, Não os senti como templos, apenas como monumentos históricos.
Em compensação, nas voltas pela cidade, encontrámos lojas de extremo bom gosto.


  


No dia dos meus anos fomos de comboio até Versailles. Começámos a visita pelos jardins porque de manhã a fila para entrar no palácio principal que eles chamam Chateau, era de muitas centenas de pessoas. 
São imensos os jardins e bosques, diferentes áreas e construções, casas e museus como o Petit e o Grand Trianon, o Domaine de Marie Antoinette, retractos retalhados da monarquia francesa no século XVII. 
Andámos quilómetros, visitámos Le Hameau de la Reine que era uma espécie de quinta e percorremos a margem do Grand Canal onde até se pode passear de barco.



Almoçámos muitíssimo bem no restaurante La Flottille situado na zona de serviços no centro do parque. Com comida tradicional bem confeccionada, de realçar o pato confitado e o crème brulée, e um serviço rápido e simpático.
De tarde entrámos finalmente no grande e luxuoso palácio de Versailles que muito me fez lembrar os nossos Palácios da Ajuda e da Pena, apenas de maiores proporções.





Para terminar em beleza um dia extraordinário, nessa noite fomos jantar a um restaurante ligeiramente mais requintado.
O vinho foi difícil de escolher por falta de referências e conhecimento dos vinhos franceses mas fizemos uma boa escolha graças ao atendimento atencioso que nos foi prestado.
Escolher os pratos e as sobremesas foi bem mais fácil e tudo se revelou um primor e uma delicadeza de sabores que fizeram render-me à cozinha francesa. Todos os pratos estavam deliciosos sobretudo a Tartelette au Citron com que me gratifiquei no final.
Não houve bolo de aniversário nem velas nem cantigas desafinadas mas fizemos um brinde especial e eu senti-me tão feliz e abençoada por ter comigo as minhas meninas, os maiores amores da minha vida.
Paris foi um sonho realizado e espero ainda cumprir mais uns quantos nos próxinos anos.



terça-feira, 22 de setembro de 2015

Tudo isto para dizer que fiz uma sopa ma-ra-vi-lho-sa

Fui visitar a minha maninha a Sintra.
Foi buscar-me à estação de comboios e levou-me numa pequena tour pelas redondezas. 
Ela mudou-se para esta vila há pouco tempo mas está totalmente cativa dos seus encantos, das suas histórias de reis e rainhas, palácios e castelos, jardins e florestas, das vielas, da serra e das praias.



Mostrou-me lugares com vista para o mar, aldeias encavalitadas na serra com ruelas estreitas onde apenas cabe um caminhante, janelas floridas em casas brancas. 
Escondidas entre a profusa vegetação mal se vislumbram palacetes e outras casas senhoriais.

Bem no centro está o milenar Palácio Nacional de Sintra que começou por ser árabe, tal como o Castelo dos Mouros, teve as primeiras obras de ampliação no reinado de D. Dinis, as maiores com D.João I e as obras de beneficiação que mais o embelezaram datam do reinado de D. Manuel I, destacando-se os revestimentos a azulejos e os elementos decorativos nas portas e janelas muito conhecidos pelo estilo manuelino.


Confesso que ali no centro da vila não resisti a ir comprar Travesseiros e Nozes à Piriquita, são uma perdição...

Na Volta do Duche vale a pena ver a nova exposição pública de esculturas cujo tema, alvitramos nós, são as rainhas.

         

Mais importante que o aprazível passeio foram as conversas que fomos tendo, assuntos de família, preocupações e projectos que partilhámos.
É bom recordar com quem nos conhece desde sempre e é curioso comparar versões diferentes de uma mesma infância e juventude. 
Para assentar ideias e aconchegar as barrigas esfomeadas procurámos uma mesa no Café Saudade para almoçar.
Logo que entrei fiquei encantada com o estilo, a decoração, o conceito daquele espaço.
Fizemos o pedido e eu escolhi a sopa que sendo sábado era de Courgette e Maçã. 
Uma combinação assim improvável deixou-me curiosa e de facto revelou-se um sabor novo e inesperado. Gostei imenso.

Gostei tanto que nos dias seguintes andei à procura de receitas nos meus livros de cozinha, onde nada encontrei no género, em blogues e sites de chefs que são referências para mim e, não tendo encontrado uma receita concreta, consegui inspiração e ir para a cozinha experimentar a confecção da minha versão da sopa-puré de Courgette e Maçã.

O resultado foi surpreendente! A sopa ficou maravilhosa!


Se pedirem muito talvez me convençam a dar a receita...

quarta-feira, 22 de julho de 2015

O dia em que o mar nos ia devorando

Quando estávamos de férias na Ericeira fazíamos muitos passeios para variar dos dias de praia.
Visitávamos as redondezas, o Vimeiro, a Praia das Maças ou o Palácio da Pena que a minha avó A adorava.
Um belo dia fomos às Berlengas.



Saímos de casa bastante cedo em dois carros porque éramos um grupo de nove, dirigimo-nos a Peniche onde apanhámos o barco para visitar a ilha.
Eu tinha 7 anos, a minha irmã 5, a minha prima M e os amigos tinham entre 16 e 19 anos. Os adultos eram os meus pais e a tia G, mãe de M.

Era um lindo dia de verão. O barco estava cheio e nós íamos lá fora no convés. A viagem demorou uma hora, houve quem enjoasse e algumas pessoas deitaram "carga ao mar". Não foi o meu caso, o que até era de estranhar porque nas viagens de automóvel, sentada no banco de trás, ficava sempre agoniada.

A ilha é inóspita contudo passámos um dia maravilhoso. Passeámos a pé pelos trilhos, visitámos o Forte onde existia uma pousada, subimos ao Farol e demos uma volta num barquito com guia que nos levou a visitar as grutas e as rochas que parecem esculturas naturais com formas mais ou menos animalescas.
À tarde, já cansados de tantas caminhadas e querendo desfrutar a praia de águas transparentes e areia clara, decidimos regressar só no último barco.
Já no cais de embarque levantou-se um vento frio que nos obrigou a embrulharmo-nos nas toalhas de praia à falta de melhor agasalho. Quando subimos para o barco toda a gente foi para dentro arrepiada. Felizmente não éramos muitos, talvez metade da lotação.

O clima mudou radicalmente. O céu acinzentou-se e o mar encrespou.
No início da travessia eu ia com o nariz colado à janela espantada com o tamanho das ondas. Ainda tenho bem presente as imagens de quando estávamos na crista da onda a ver o mar lá em baixo como se estivesse no cimo de um prédio de muitos andares e logo a seguir, quando o barco descia a onda, olhar para cima e ver uma parede de água tão alta que quase não via o topo. Curiosa e destemida estava fascinada mas a minha mãe começou a antever os perigos e a desgraça e obrigou-me a ir sentar junto da família, o que me deixou, como de costume, muito contrariada.

As cores escuras do céu e do mar, a ondulação descomunal e a noção da pequenez da embarcação eram de facto, para qualquer adulto consciente, aterradoras.
O meu pai mantinha-se calado, sentado, amparando num abraço uma filha de cada lado. 
A minha mãe numa pilha de nervos não se calava, olhando para os coletes salva-vidas empilhados, perguntou ao mestre da embarcação:
- Há coletes que cheguem para todos? 
- Nem vale a pena pensar nos coletes, se o barco se virar não há salvação! - Exclamou ele - Mas entretanto no porto de Peniche já devem ter percebido a nossa situação e vêm ajudar-nos?! - Indagou cada vez mais ansiosa e em busca de um conforto. 
- Não minha senhora. Estamos por nossa conta. Se o motor não parar vamos lá chegar, agora se houver alguma avaria... - Respondeu ele muito sério abanando fatidicamente a cabeça.
E lá continuámos subindo e descendo na ondulação gigantesca. 
Ninguém entrou em pânico, todos se mantiveram agarrados aos bancos de madeira, tensos e assustados sem vestígios de enjoo ou vómito.
Ora estávamos no topo da onda como a descíamos vertiginosamente batendo no fundo para subir novamente num esforço de motor e de fé. Talvez alguém rezasse por nós.
Eu era demasiado infantil para sentir medo, nem tinha noção do que nos podia acontecer.
Quando nos aproximámos do cabo com terra à vista, a minha mãe exclamou:
- Agora ao passarmos o cabo vai melhorar! 
Mas o mestre, sempre animador, desiludiu-a: 
- Olhe que não! Com o vento nesta direcção e as correntes, vai ser muito pior!

E foi.
Nunca mais o alcançávamos mas já se via o cais, cheio de gente. Curiosos que cada vez que o barco desaparecia atrás de uma onda temiam que se tivesse afundado.
Foi assim num desespero esperançoso que finalmente nos aproximámos, as cordas foram lançadas e naquele turbilhão tempestuoso conseguiram amarrar o barco ao cais.

A minha mãe diz que foi a primeira a saltar para terra firme e ali mesmo jurou que nunca mais na vida entraria num barco e cumpriu a promessa, até hoje.

Enquanto os lívidos passageiros saiam o capitão do porto entrou de rompante, possesso, a descompor o mestre da embarcação, acusando-o de irresponsabilidade total ao sair para o mar com uma tempestade daquelas a aproximar-se.
Até tinha razão mas foi graças à mestria do mestre, experiente homem do mar, que enfrentando e superando cada onda, na posição certa, chegámos a bom porto.
Não fiquei traumatizada, adoro velejar, no entanto nunca mais apanhei uma tempestade assim.

Esta não é uma história com comida mas sim uma história onde íamos sendo devorados pelo mar.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Aniversário da minha Caranguejo preferida

O aniversário da minha mãe é uma data incontornável nas nossas vidas.
Ela é a minha Lua em Leão o que significa que gosta de ser o centro das atenções, assim nada melhor do que o seu dia de anos para ser mimada.
Qualquer comemoração tem de ser feita no próprio dia e era costume jantar fora ou, se a data calhasse ao fim de semana, fazer uma bela passeata com almoço algures.
Na época em que íamos todo o mês de Julho para o Algarve, no seu dia tinhamos jantar e espectáculo no casino de Vilamoura. Como não havia telemóveis ela ia a um telefone público ligar para a família a saber notícias mas começava a conversa dizendo _ Liguei para me darem os parabéns! _ e largava risadas de boa disposição.
Um dos jantares mais memorável foi há alguns anos no, infelizmente já encerrado, restaurante Bianca Fiori em São Bento, Lisboa. Juntamente com a comida de inspiração italiana sofisticada, serviam ópera ao vivo numa encenação informal mas emotiva dos Singing Waiters. Foi uma noite mágica sobretudo para os meus pais que sempre apreciaram a música e o canto lírico.
Nos últimos anos, desde que o meu pai já cá não está para a apaparicar, o ambiente de festa esmoreceu, até nesta data.
Porém desta vez decidiu convidar a família mais chegada e algumas amizades para uma espécie de tea party, por acaso sem chá, na sua casa.



Estava uma tarde muito quente e para refrescar fiz limonada e sumo de melão, também havia vinho e cerveja.
Optámos por servir finger food e desta vez fiz os clássicos croquetes de carne, mini queques de queijo e bacon, rolinhos de massa folhada com recheio de mistura de queijos e ainda pasta de atum em mini tostas. Também havia tacinhas com vários frutos secos para petiscar.

De doce fiz Menitos e Brownies. O bolo de anos foi mais uma Pavlova dupla com muita fruta. 
Cantámos os parabéns, soprou uma vela e brindámos com espumante. A festa decorreu conforme a minha mãezinha gosta e de acordo com os presentes tudo estava delicioso.



segunda-feira, 29 de junho de 2015

Mas tu nunca te divertes ?!

Quando acabámos o curso, já lá vão quase três décadas, cada um foi à sua vida.
Foi tempo de carreiras profissionais, casamentos e alguns divórcios, eventualmente filhos.
Houve quem mantivesse laços de amizade consistente, outros perdemos-lhes o rasto.

Em 2010, com a ajuda do facebook e cruzando listas de contactos pessoais conseguimos juntar a maior parte da turma num jantar saudosista, alguns não se viam desde 1987. 
Entretanto já se organizaram vários encontros e felizmente há quem nunca falte, eu sou uma delas.

Desta vez uma amiga simpática ofereceu a casa, outros ajuda, e eu propus-me cozinhar.

O maior desafio era escolher um menu que não me obrigasse a ficar na cozinha enquanto os outros conviviam alegremente porque desta vez eu era também conviva no evento. 
Acho que consegui e foi do agrado de todos mas naquela azáfama esqueci-me de tirar muitas fotografias.

A grande vantagem da minha organização é precisamente a dos anfitriões não se preocuparem com a preparação das refeições nem com o serviço e poderem desfrutar as suas festas.

Sentados à mesa é fácil descontrair, conversar animadamente, recordar peripécias nas aulas, professores e colegas.
Observo como não perdemos o entusiasmo e parece que o tempo não passou, ainda conseguimos ser os mesmos jovens, rir em uníssono e no fundo verifico que mantivemos a personalidade apesar dos percursos diferentes. 
Empregados ou não, empresários ou artistas, com mais ou menos reviravoltas na vida mantemos o espírito vivo embora numa fase diferente.
Apesar de nos enternecermos orgulhosamente com as actividades dos nossos rebentos, ainda gostamos de partilhar os nossos projectos mais pessoais, ainda temos sonhos por concretizar e energia para os desenvolver.
O ritmo é que é outro, sabemos o que queremos e ouso dizer, queremos viver melhor. Trabalhar para viver e não viver para trabalhar.

Valorizar o verdadeiro voluntariado das iniciativas em prol dos mais carenciados ou fragilizados é muito digno de respeito e motivador.
Ser freelancer ou artista sem ordenado garantido no final do mês pode ser aterrador mas também estimulante, e mesmo que se tenham de fazer concessões para sobreviver, a alma não está à venda.
Almas cuja inspiração e o talento merecem a sorte do reconhecimento e do sucesso.
Admiro-os muito e tenho verdadeiro apreço na nossa amizade.

Ás vezes o click pode ser uma pergunta contundente de uma criança após a apresentação do trabalho exaustivo de uma copyrighter  _  Mas tu nunca te divertes?!
Entrada :

Mini queques de bacon e queijo, queijo fresco, queijo amanteigado, tostas finas e salada de alface com aipo e maçã.







Prato :


Lombinho de porco assado com ervas aromáticas e paprika.
Batatas gratinadas.
Pimentos vermelhos fumados
Broa de milho tostada com espinafres, azeite e alho.




Sobremesa :

Pavlova de Frutos Vermelhos e Coulis de Morango






Café Nespresso 
e 
Chá Ignoramus

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Estudar, Casar e Bolos zás-trás-pás

Quando era criança e havia festas lá em casa, a minha mãe punha-nos sempre, a mim e à minha irmã, a bater as massas dos bolos. 
Parecia um castigo porque o peso da batedeira cansava os nossos bracitos e o tempo necessário parecia-nos uma eternidade. A nossa compensação era ir metendo o dedo na tigela e provando a massa, amiúde. No fim ainda deixávamos uma boa quantidade no fundo da tigela para lamber com o rapa, vulgo "salazar". 
Desconfio que a minha mãe reforçava a quantidade de ingredientes para não acabar com as formas meio vazias...
Tinha algumas, poucas, receitas que fazia sempre. Mousse de Chocolate, Pão-de-Ló, Torta de massa pão-de-ló com recheio de creme chocolate, Colchão da Noiva, Pudim de Laranja e um Pudim de Côco que quando eu era miúda não comia mas que mais tarde, muito mais tarde, descobri que é uma maravilha.
Era raro fazer os pudins porque nem sempre saíam bem, desmanchavam-se muito por isso preferia fazer o tipo de bolos muito simples, muito zás-trás-pás.
Mesmo o Colchão da Noiva que exige mais paciência e jeito para montar e dar o acabamento na cobertura, desde muito cedo me incumbiu de o fazer.
Super responsável, fazia as coisas porque tinham de ser feitas. Muito mais exigente na higiene da casa e das roupas, na cozinha sempre se preocupou mais com a qualidade dos produtos, na forma simples e saudável de os preparar e na abundância e variedade das refeições.
Ainda hoje, se o assunto vem à baila queixa-se de não ter tido oportunidade de estudar mais, das dificuldades económicas e das mentalidades da época e das várias condicionantes adversas que lhe coarctaram as hipóteses de realização pessoal e profissional. Compreendo que não tenha alcançado o seu ideal mas após ter deixado a escola quando fez a 4ª.classe, tanto pediu, tanto insistiu que o meu avô anuiu e aos 16 anos conseguiu num ano, com aulas particulares, preparar-se para o exame do 2º.ano e dois anos depois concluir, sozinha, os exames do antigo 5º.ano dos liceus. Atenção que isto foi em 1957. 
Como as suas piores notas foram nas provas orais de francês e inglês começou a frequentar o Instituto Francês e o Instituto Britânico e aprendeu as duas línguas com uma excelente pronúncia semelhante aos nativos.
Depois casou, como era suposto na época, mas ser uma dona de casa prendada não era de todo o seu estilo.
Assim que nós começámos a ir para o Jardim Escola, tinha eu 5 anos, começou a procurar emprego.



Entre outros, respondeu, conforme se fazia na época, por carta dirigida ao jornal com a referência publicada, a um anúncio que pedia secretária fluente em francês e inglês. Ficou toda contente quando a chamaram para uma entrevista e imediatamente em pânico quando soube que era na Rua António Maria Cardoso, nas instalações da Direcção Geral de Segurança (ex-PIDE). Suficientemente politizada para não querer trabalhar em tal organismo a hipótese de não comparecer ou de recusar o emprego estava fora de causa dado que se tratava da polícia política e correria o risco de se tornar suspeita e perseguida.
Enquanto percorria aqueles corredores labirínticos por onde era encaminhada, enquanto esperava numa sala sozinha com a nítida impressão de estar a ser observada, dominou o medo e decidiu fazer-se de parva, mesmo estúpida, durante toda a entrevista e foi assim que conseguiu não ser seleccionada.
Depois arranjou emprego em firmas idóneas e quando o meu avô J morreu, a avó A foi viver lá para casa exercendo o domínio da cozinha.
Poucos anos mais tarde iniciou, juntamente com o meu pai, uma empresa que foi crescendo com muito trabalho, investimento e dedicação. Mais um motivo para delegar quase todas as tarefas na cozinha.
Não teve a carreira profissional gloriosa com que sempre sonhou mas alcançou outros méritos, tem uma bela família e duas filhas, três netas e um neto e ainda pode vir a ter bisnetos... 
Agora fica rejubilante quando nos consegue reunir a todos lá em casa e prepara carinhosamente os pratos preferidos da sua prole - as mãozinhas de borrego assadas ou o rosbife grelhado no forno acompanhado de abundante molho de natas e cogumelos.
Para não serem sempre os mesmos zás-trás-pás, pede-me sempre para eu fazer e levar os bolos e as sobremesas.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Competições parvas e gargalhadas cúmplices

Eu e a minha irmã temos menos de 2 anos de diferença e, como é natural na infância, tínhamos muitos despiques _ Primeiras! _ Este lugar é meu! _ Eu escolhi primeiro!
Nas nossas brincadeiras e fantasias de crianças entendiamo-nos muito bem mas de resto competíamos por tudo e mais alguma coisa, o pão mais mal cozido, os croquetes mais douradinhos ou a torrada mais apetitosa...
Geralmente acabava em simples brigas de irmãs que não duravam nada mas às vezes eramos exasperantes e punham-nos de castigo com ralhetes e alguma palmada assertiva.
Certo dia ao almoço, quando veio para a mesa uma travessa cheia de linguados fritos começámos a disputar um linguado que por acaso tinha ficado com a parte mais clara virada para cima. Apesar de sabermos perfeitamente que todos os linguados tem um lado de pele escura e outro de pele branca, deu-nos para aquela parvoíce.
Enquanto comíamos a sopa apontávamos e afirmávamos _Este é para mim! e logo a outra metia o dedo e ripostava _ Não, não, este é para mim! Ao fim de várias vezes e já sob aviso impaciente dos nossos pais, ela pôs o dedo no cobiçado linguado e eu afastei a sua mão com um gesto mais brusco e para nosso espanto, vários linguados voaram para fora da travessa.
O ambiente ficou tenso. 
O sermão fez-se ouvir e baixando os olhos continuámos a comer a sopa e a tentar controlar a vontade de rir de tal forma exorbitante que quando os nossos olhares se cruzaram não nos conseguimos conter e soltámos o riso e a sopa que saiu projectada borrifando tudo à nossa volta. 
Foi o descalabro. 
Dominadas pelas gargalhadas nervosas nem vimos chegar o par de bofetadas e torcendo-nos com a risota incontrolável fomos expulsas da mesa e corremos para o nosso quarto a rir até não poder mais.
Graças à intervenção da avó A, depois de eles acabarem de comer, lá tivemos autorização de ir almoçar. E os linguados estavam todos deliciosos, claros e escuros.
Durante dias rimos desta cena hilariante e ainda hoje, quando a partilhamos, é motivo de risota porque a conseguimos reviver emocionalmente.